O MAR DE GALEANO
Ouvindo Canção do mar, na voz de Dulce Pontes
“- Me ajuda a
olhar o mar! A sentir a beleza que dentro dele inspira à vida. E se
liberta no momento em que escuto o seu barulho, através de uma
concha sem pérola, porque a beleza está no som e não na dor. Mas
preciso parir algo dessa inspiração. Mesmo sabendo que parir é um
estado dolente e que a felicidade também está no sofrimento: no ato
de parir. Me ajuda a olhar o mar! A ser como marinheiro esperando a
embarcação dos que buscam amor pela beleza das tuas águas
rutilantes e doce, apesar da salinidade produzida. Me ajuda a olhar o
mar!”. Foram essas as últimas palavras que ouvi quando da sua
morte. Ele me olhou fixamente ao pronunciá-las. E me veio com uma
força enorme, como as ondas desse mar borbulhante. Talvez eu não
tenha entendido de início, pois o cardume de amontoados de palavras
me tapavam os ouvidos e a minha visão não enxergava a beleza dessas
águas-palavras. E dançava cadenciado semelhante a ondas: vai e
vem... Será que enlouqueci? Em que hospício me encontro? Foi quando
descobri e pude perceber que havia fechado o livro de Galeano: eu
havia abortado o mar e perdido a visão. Eu era um artista tentando
redescobrir a minha função no mundo. Meu personagem havia morrido.
Enquanto o mar dormia queria entender as nuances e os desatinos desse
novo personagem. Tentava renascer na ressaca da maré em noite de lua
cheia. Ah! Galeano, preciso novamente parir , quem sabe uma estrela
desse teu mar, imenso mar, ou seria um oceano? E vou tocando
delicadamente, escutando e sentindo a maresia, o marulhar dessas
ondas. De joelhos nas areias em posição de oração vou abraçando
o livro-mar de Galeano e suplicando: Me ajuda a olhar novamente o
mar!
Dayvson Fabiano