Quem sou eu

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Recife, PE, Brazil
Que ecos são esses que me aprisionam? Eu falo e sinto os sons do passado. São ecos meio dissones. Como se eu lembrasse apenas dos instantes: instante infinito. Uma amnésia particular que só eu e eu vamos lembrando aos poucos e esquecendo novamente. E aí eu canto dissonante e renasço a cada lembrança que vem de outrora e do futuro também: por isso sou caleidoscópico. Eu giro e giro. Mudo de cor. E Deus com seu diapasão dá o tom perfeito. Só que eu sou rebelde e insisto desafinado. Aí os ecos voltam novamente, por insistência minha, só para eu sentir Deus mais uma vez.
"...Uma poça contém um universo. Um instante de sonho contém uma alma inteira." Gaston Bachelard

Bemóis e sustenidos - Explode Coração

Explode Coração

Gonzaguinha

Chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder
O que não dá mais pra ocultar e eu não posso mais calar
Já que o brilho desse olhar foi traidor
E entregou o que você tentou conter
O que você não quis desabafar e me cortou
Chega de temer, chorar, sofrer, sorrir, se dar
E se perder e se achar e tudo aquilo que é viver
Eu quero mais é me abrir e que essa vida entre assim
Como se fosse o sol desvirginando a madrugada
Quero sentir a dor desta manhã
Nascendo, rompendo, rasgando, tomando, meu corpo e então eu
Chorando, sofrendo, gostando, adorando, gritando
Feito louca, alucinada e criança
Sentindo o meu amor se derramando
Não dá mais pra segurar, explode coração...


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Silêncio e sons

À amiga Conceição Santos
Ouvindo “Outro Quilombo”, de Mônica Salmaso

Ela vezenquando era mulher-menina, menina-mulher. Assim mesmo, tudo muito tênue e como a rapidez da luz. Havia uma fronteira entre esses dois tempos: fase infantil e fase adulta. Sua vida era musical. Quando estava na fase menina dançava reluzente pela avenida, becos e ruas. Na fase adulta, dançava numa cadência particular. Somente ela percebia e sentia o fulgor da música. Qualquer batuque ou barulho era motivo para uma embolada. Suas mãos acompanhavam essa harmonia dos ritmos. Dançava muito mais com as mãos do que com os pés. Imagine isso com os olhos fechados ao som de uma música. Girava mexendo os punhos para que suas mãos falassem. Transformava-se numa atriz, dançarina, alguma entidade mística ou um simples pirilampo. Isso, ela tinha luz própria. O seu sangue vinha da negritude na pele branca e frágil como a sua própria sensibilidade. Ainda tinha perguntas não respondidas desde a infância. Uma vez quando criança perguntou a sua mãe: “mamãe, por que quando a gente pisa na poça de água ela fica girando?” Sua mãe a olhava e apenas sorria. Não havia uma resposta. Na verdade nunca há respostas para as coisas, elas simplesmente acontecem independentes de. Há uma imensa fronteira entre essa vivacidade. Quando chegava à noite ela saía correndo para o mar para restaurar sua alma e quem sabe se tornar uma sereia, pois sua beleza e canto acordavam os deuses: uma Afrodite humana se fazia presente. Ela se sentia em dois céus e enxergava duas luas: ao olhar para cima e ao olhar pelo reflexo das águas e ainda conseguir tocá-la. E nesses momentos se refugiava dentro do seu quilombo interior para abarcar a sua própria felicidade.
Ao amanhecer, ia novamente à praia para brincar com a sua solidão e a escrever palavras fragmentadas nas areias para que as ondas levassem os seus mais íntimos desejos.  Saía novamente girando pela praia a escrever poemas nas areias com apenas um pedaço de madeira. Lembrava-se de sua mãe quando ela declamava poemas de Casimiro de Abreu ou quando lia “Capitães da Areia”. Sua nostalgia era silenciosa. Aí chorava e sentia a água salgada em sua boca. Era o próprio mar, tinha a alma de um oceano.  Passados esses momentos de solidão, voltava-se a vida normal de sempre. Só que a música estava a todo tempo em sua vida. Tentava de alguma forma encontrar a música que fizesse sintonia com a da sua história e só a encontrava, pelo menos momentaneamente, no momento em que voltava a sua infância e lembrava-se de sua mãe. Só que nem mesmo o seu imenso amor pela mãe era necessário para sintonizar a música perfeita: faltava o desprendimento e o acreditar no depois de.
Próximo à sua casa havia uma ferrovia antiga. Brincava que cruzava as trilhas e ia pra outros lugares, talvez ao mais puro recôndito de sua alma.  Ela continuava escrava das suas lembranças e pensava musicalmente: “Dor, reluz em mim fazendo sol no meu silêncio”. E ficava esperando o trem que nunca chegara. Somente o silêncio se fazia presente. Foi novamente à praia, seu refúgio. Sentia o calor do sol penetrando por sua pele e ficou de joelhos a louvar aquele imenso mar que estava diante de sua vista. E escreveu na areia uma mensagem. Só tinha nesse momento de agora a escrita, que estava a seu favor: a palavra era a sua memória mais permanente. Ela escreveu na areia: “Faço-me silêncio e espero o som do teu amor”. As ondas vieram e como sempre levaram o seu pedido. Todo o cosmo se fez silêncio nesse instante. De repente fez-se chuva. Não acreditava no que estava acontecendo. Chorou muito e seu choro misturou-se com a chuva. Os pingos caíam em harmonia tocando a música de sua vida e bailando em sintonia com as lembranças que margeavam a sua alma.  Era chuva com sol. Era quente. Era o amor que falava. Era o “sim”. Foi acolhida: concebida de silencio e sons e batizada pelo (a)mar.


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